terça-feira, junho 15, 2004

Sabores & Odores

Aquele cheiro não saia de sua cabeça. Atordoava-o a todo instante. Sua mulher não agüentava mais o vai-e-vem constante dentro de casa. Ele mesmo não se suportava mais! Abriu a geladeira sem ter certeza do que procurava. Na certa, estava buscando uma ocupação para os seus pensamentos, que não tinham assimilado a nova realidade de aposentado. Tinha, agora, muito tempo para aproveitar a vida. Que vida? Existe alguma depois que você recebe meias no natal e no final de cada mês enfrenta uma enorme fila para receber sua aposentadoria?

Aposentado. Antes desta ocupação ele era policial, dos bons. Fazia de tudo para manter a ordem e nunca aceitou suborno, nem quando seu superior o fez. Nunca chegou atrasado, muito menos faltou serviço. Sem contar as vezes que estava no hospital, retirando balas dos ferimentos que sofria nos inúmero enfrentamentos que teve com traficantes, assaltantes de bancos e todas pessoas do submundo do crime.

A angústia toma conta de sua alma. Está perdido e desacorçoado. Só lhe resta uma saída: mexer nas lembranças físicas. Sofrer mais um pouco, para ver se assim passa de vez o que sente. Ao pôr as mãos naquela caixa de papelão, que guardava os segredos de sua vida, os medos foram passando e as reminiscências tomaram-lhe conta da mente.

Pegou nas mãos o velho distintivo, as medalhas de honra ao mérito e os recortes de jornais que, aparecia como herói na captura de fugitivos. Mas seu maior prazer foi ter novamente em mãos o desativado revólver calibre 38 cano longo . Durante toda sua vida foi o seu melhor companheiro, estando sempre preparado para ajudar-lhe a qualquer hora. Que pecado tê-lo deixado atirado por ai.

Novamente o cheiro voltou e, pior, cada vez ficava mais forte. O cheiro era enjoativo e seu estômago dava giros de 360 graus a cada momento. Olhou atentamente para o revólver tentando descobrir se era dele que saía tal odor. Não era. Era de sua vida. O cheiro que sentia era de sangue. Sangue de bandidos e inocentes, de pretos e brancos, de pobre e mais pobres.

- Bons tempos.....E era mesmo! Fala de boca cheia:
- Só quem já matou sabe como é. Você torna-se um Deus decidindo qual a duração desta ou daquela vida. Nada como olhar nos olhos da vítima e ver sua expressão de súplica pedindo pela vida e pelo amor de Deus! QUE DEUS? Eu sou o Deus. Peça por mim!!!

Tinha apenas um vício: a morte. Faz tempo. Muito tempo que ela não é sua parceira. Mas agora, sem o distintivo, como faria? Poderia contentar-se com o sacrifício de pequenos animais, mas o sangue humano tem odor e sabor próprio.

A única coisa que tem é sua vida. Que vida mesmo? Para isso já serve...

quarta-feira, junho 02, 2004

Solidão de mim

Nos últimos dias andei muito ocupado. Tanto que hoje não conseguir me encontrar....
Como todos os dias, levantei da cama mas infelizmente não saí dela. Olhei no espelho e não me reconheci. Onde estava o Marcelo mesmo? Aquele cara estranho, com pensamentos estranhos não pode ser eu.... Sempre gostei de esculpir e, máximo que faço hoje é um amontoado de papéis na mesa. Sempre fui o cara mais folião da turma. Daqueles chatos que ficam até o último minuto da festa. Sabe há quanto tempo não vou a festas?

Já deve ter acontecido com vocês. Como o personagem de Kafka, acordei hoje em mutação. Sou algo em transição. Não acabado. Hoje gosto de chocolate, mas e amanhã? Confesso que estou com saudades do Marcelo, faz tempo que não encontro ele. Esta solidão de mim acaba me entristecendo. Olho para trás e tento descobrir onde parei. Posso ter ficado olhando Sessão da Tarde ou beijando a Karine no pátio do colégio. Realmente não sei.

Alguém me viu por aí?